sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Da Folia de Reis ao Halloween.

Foto: Pit Thompson - 62º Encontro Nacional de Folia de Reis de Muqui ES


Hoje em dia muito se fala na coexistência pacífica de várias culturas distintas em uma mesma sociedade, e para isto se cunhou o termo multiculturalismo. O Brasil, devido às suas proporções continentais e aos vários povos distintos que ajudaram a construir sua cultura, seria um exemplo de país multicultural, pois em um mesmo território politicamente constituído, podemos ter o privilégio de ver danças de origem indígena, como a Catira, danças rituais provindas de povos africanos, como a Congada, e ainda rituais da religiosidade popular que foram trazidas pelos portugueses, como a Folia de Reis, sendo todas praticadas em uma atmosfera de relativa paz. Tanto a Catira, como a Congada e a Folia de Reis são manifestações culturais de origens distintas que fazem parte do que se convencionou chamar de “cultura tipicamente brasileira”.

O Brasil possui uma rica e complexa atividade cultural, e podemos notar que estas atividades coexistiram paralelamente durante séculos de colonização, escravidão e imigração. Será que nossa rica cultura será agora nesta era da internet, suplantada por este emaranhado de culturas estrangeiras, que em muitas ocasiões se impõem em detrimento das nossas? 

        Desde o fim da Guerra Fria, quando o capitalismo vem conseguindo status de vencedor, gerando até algumas teses que decretavam o fim da União Soviética como o fim da própria história, o mundo vem passando por uma aceleração do processo de globalização. Processo esse que grosso modo, teve início com a expansão marítima dos países ibéricos no início do século XVI. Foi se intensificando com a Revolução Industrial na Inglaterra do século XVIII. Mas foi somente com o fim da bipolarização entre os “blocos" capitalista e comunista, que esse processo vem se evidenciando de forma realmente global.

A queda do Muro de Berlim pode ser considerado o marco simbólico que ilustra uma ideia de propagação do capitalismo como regime que democratizaria todo o globo. A dominação ideológica do capitalismo foi responsável, dentre outras coisas, por uma visão global de uma cultura dominante, fundamentada sobretudo, no padrão cultural norte-americano. O “American way of life” se espalhou mundo afora como um modelo a ser atingido pelos cidadãos dos países periféricos. 

Neste sentido, manifestações culturais provindas dos Estados Unidos são introduzidas no Brasil como elemento que integra uma noção de cultura superior, por estar vinculada à modernidade. Isto ocorre muitas vezes em detrimento da cultura tradicional local que passa a habitar um campo secundário nas relações culturais em um mundo cada vez mais globalizado. Esta globalização que se intensifica continuamente gera, no entanto, em âmbito nacional, alguns antagonismos provocados, sobretudo pela ação do Estado no intuito de fortalecer a identidade nacional. 

Assim, a introdução de uma manifestação cultural provinda dos Estados Unidos, como o “Halloween”, encontra alguns empecilhos internos, como movimentos de cunho nacionalistas, frentes formadas por políticos – muitas vezes oportunistas – tentando demonstrar algum amor a pátria ou de religiões evangélicas realizando uma verdadeira “Cruzada” contra o paganismo.

No entanto, o “Halloween” praticado no Brasil hoje está isento do significado que esta festa possuía para aqueles que viviam nos países onde ela surgiu, ou que foram colonizados por estes. Nos Estados Unidos, de onde esta prática se espalhou para o mundo, o “Halloween” ganhou status de uma das datas do ano de maior faturamento no comércio, perdendo apenas para o Natal. Além disso, o cinema comercial norte-americano deu a essa festa um certo padrão às suas práticas. É essa noção que veio a se instalar no Brasil nas últimas décadas. As crianças e adolescentes que praticam o “Halloween” no Brasil, não estão com isso, celebrando um festival folclórico, mas sim se integrando ao mundo do entretenimento global.

São os próprios atores sociais dessas manifestações que podem descrever melhor o que estas práticas significam para suas vidas como seres sociais. Neste contexto, o objetivo de um pesquisador da história cultural brasileira passa a ser, contrastar opiniões e analisar os mecanismos que levam uma tradição estrangeira a se impor perante uma cultura que possui seus próprios valores intrínsecos. 

A Folia de Reis faz parte de uma comemoração cristã difundida essencialmente pelo catolicismo popular. Já o “Halloween” de origem pagã, sofre uma dura reprovação por parte das instituições cristãs. Católicos e principalmente protestantes, investem arduamente no intuito de desviar seus fiéis do caminho desta “festa demoníaca”. No entanto, essas performances religiosas e, ou nacionalistas não são capazes de estancar o avanço mundial da cultura global de rede. Fica aqui essa reflexão. O que acontecerá com a cultura popular?


André Stanley é escritor e professor de História, Inglês e Espanhol, autor do livro "O Cadáver", editor dos blogs: (Blog do André Stanley, Stanley Personal Teacher). Colaborador do site especializado em Heavy Metal Whiplash. Foi um dos membros fundadores da banda de Heavy Metal mineira Seven Keys. Também é fotógrafo e artista digital.

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