quinta-feira, 20 de julho de 2017

A psicanalise contida no conto de Simbad. (Segundo Bruno Betthelheim)



Bruno Betthelheim em sua obra mais clássica A psicanalise dos Contos de Fadas, dedica um capitulo de seu livro à explicar o significado do conto Simbad e o marujo. Começa o capítulo explicando sobre os vários títulos encontrados para nomear essa mesma estória. Diz que as pessoas que se propuseram a fazer essas modificações se atentaram para o que há de fantástico e maravilhoso na estória e não se atentaram aos aspectos psicológicos que está muito claramente explicito no título original – Simbad o marujo e Simbad o carregador.

Esse título indica que se trata de características opostas de uma mesma pessoa, faz uma possível relação com o conceito freudiano de ID e Ego. Depois pergunta:

“O dono desse lugar convive com todos os prazeres da vida e se delicia com perfumes agradáveis, comidas excêntricas e vinhos exóticos... Enquanto outros suportam o máximo de trabalho...como eu” (BETTELHEIM, 1980, p. 106).

“Por que o conto de fadas consiste de sete partes e por que os dois protagonistas se separam todo dia para se reunir no dia seguinte? ” (BETTELHEIM,1980, p.106)

Ele responde dizendo que o número sete é bem recorrente nos contos de fadas pois cada dia representa um dia da semana, e também é um símbolo de cada dia de nossas vidas. E a história parece contar que conforme vivemos há dois aspectos diferentes e pertinentes a cada um de nós. Os dois Simbads são na verdade personificações distintas da mesma pessoa.

Ao analisar a estória, que é parte integrante dos contos das 1001 noites, Bettelheim, diz que o próprio ato de contar estórias de contos de fadas é muito ligado a um fator terapêutico. Sherazade consegue se manter viva diante da ira de um rei que odiava as mulheres por que o manteve curioso o bastante para sempre querer ouvir o restante da estória, e com isso acaba por libertar o próprio rei de sua ira doentia.

“De acordo com a estória básica, os dois protagonistas, um homem e uma mulher, se encontram na maior crise de suas vidas; p rei desgostoso da vida e cheio de [ódio pelas mulheres, Sherazade temendo por sua vida, mas determinada a conseguir a libertação dele e dela. Ela atinge sua meta através da narrativa de muitos contos de fadas; uma única estória não poderia realiza-lo, pois, nossos problemas psicológicos são demasiados complexos e de solução difícil. Só uma grande variedade de contos de fadas poderia fornecer o ímpeto para tal catarse” (BETTELHEIM,1980, p,110).

Ou seja, “são precisos quase 3 anos de narração continua de contos de fadas para tirar o rei de sua depressão profunda" (BETTELHEIM, 1980, p.110), encontramos ai um paralelo com a psicanalise de Freud, é necessário anos de analise para que o analisado possa conseguir entender e eventualmente se livrar de seus problemas psicológicos.

“deveríamos lembrar que na medicina hindu – e ciclo de mil e uma noites é de origem hindu-persa- a pessoa mentalmente perturbada ouve uma estória de fadas cuja, meditação a ajudará a vencer sua perturbação emocional” (BETTELHEIM,1980, p.110).

Outro nível de significado que esse conto nos proporciona seria considerar os protagonistas dessa estória como representações conflitantes que ocorrem dentro de nós.

“O rei simboliza uma pessoa completamente dominada por seu Id, porque seu ego, devido a fortes decepções na vida perdeu a força para manter o id dentro dos limites. Afinal atarefa do ego é proteger-nos contra a perda devastadora, que na estória é simbolizada pela circunstância do rei ter sido traído sexualmente, se o ego não consegue fazê-lo perde seu poder de guiar nossas vidas (BETTELHEIM, 1980, p.110).

Sobre o significado atribuído a outra protagonista da história o autor diz:


“Sherazade representa o ego como é claramente sugerido pela informação de que ‘ela colecionara mil livros de crônicas de pessoas antigas e poetas passados. Além disso ela lera livros de ciência e medicina; sua memória estava cheia de versos, estórias, folclore e dos ditos de reis e sábios e ela era sábia, espirituosa e de boa formação.’ – uma enumeração exaustiva de atributos do ego. Assim o id descontrolado (o rei) através de um longo processo elaborativo torna-se finalmente civilizado pelo impacto de uma encarnação do ego. Mas é um ego muito dominado pelo superego tanto que Sherazade está determinada a arriscar sua vida (BETTELHEIM, 1980, p.p. 110,111).


Nesse trecho podemos notar que esse conto corresponde com a premissa estabelecida pelo autor de que o conto de fada é importante para o desenvolvimento psicológico da criança, pois não procura esconder dela elementos que são inerentes a condição humana, como a morte e a traição, que são recorrentes na história.


“Não pode haver maior testemunho do poder de todos os contos de fadas para mudar nossa personalidade do que o final desse conto único. A estória básica das ml e uma noites, o ódio assassino é transformado em amor duradouro (BETTELHEIM. 1980, p.111).


Segundo o autor essa integração amorosa entre Sherazade que declara seu amor ao rei no final do conto e o rei faz o mesmo á Sherazade, mostra exatamente o que psicanálise tenta assegurar como uma forma saudável de se viver. Afinal temos tendências contraditórias dentro de nós e sempre nos perguntamos para qual lado devemos seguir. A estória de Sherazade e o rei assassino mostra que devemos fazer uma integração dessas tendências dentro de nós amenizando os aspectos destrutivos de nossa vida psicológica.

Fonte:

BETTELHEIM, Bruno. A psicanalise dos Contos de Fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.





    André Stanley é escritor e professor de História, Inglês e Espanhol, autor do livro "O Cadáver", editor dos blogs: (Blog do André Stanley, Stanley Personal Teacher). Colaborador do site especializado em Heavy Metal Whiplash. Foi um dos membros fundadores da banda de Heavy Metal mineira Seven Keys. Também é fotógrafo e artista digital.

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